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Ei, chef, não tem restaurante? Receba na sua casa

Foi assim que Roberto Rebaudengo, do Lido, começou em São Paulo


A onda dos food trucks veio no embalo e, na arrebentação, parece ter virado uma marolinha. A dos supper clubs, misto de jantar em casa de amigo com restaurante, ao contrário, vem, sem estrondos, avançando, avançando, avançando. Não que uma experiência substitua a outra, mas se ambas apontam à busca por refeições mais informais e intimistas, a segunda realiza o desejo com mais propriedade, conforto e (como negar?!) charme. Prova cabal? A casa do Roberto.

A casa do Roberto deu tanto o que falar que ele foi parar à frente do restaurante Lido – Amici di Amici, em São Paulo, com cozinha deliciosa

Ali, Irina e Dimitri, um casal de galgos russos elegantíssimo, já está no sofá e não faz a menor questão de passar por bons anfitriões. Em compensação, Roberto Rebaudengo, um genovês ligeiramente tímido e corado, vêm à porta. Como se a casa fosse sua, e não dele. No Brasil desde 2010, o designer italiano pelejou para encontrar o espaço que funciona como espécie de embaixada da gastronomia da Ligúria. Numa curva do bairro de Perdizes, em São Paulo, o casarão começa na cozinha aberta para a sala com vista para o estádio do Pacaembu. Desce para quartos que são alugados. Desce para um jardim com piscina, onde são feitos os brindes de boas-vindas e onde são plantadas ervas, berinjelas, repolhos e abobrinhas prestes a desabrocharem.


Na casa do chef, os convivas se sentem membros de um clube autêntico no qual a mesa é uma festa


A comida nesse cenário é a atração principal e, como em qualquer casa italiana que se preze, vem acompanhada de conversas, vinho, música e gargalhadas, quase sempre concentradas no meio da cozinha. “Aos 15, 16 anos, eu era o primeiro a chegar da escola e aproveitava para preparar o almoço. Era uma cozinha bem experimental, com direito a verdadeiros fracassos, como um fatídico ragu com carne enlatada”, lembra Roberto, que se inspirava nos talentos culinários do resto da família – o pai, os irmãos e especialmente a mãe: “Não sei como ela conseguia: professora universitária de mecânica hidráulica, quatro filhos, uma casa enorme e refeições sempre fantásticas”.

Da admiração, surgiu um cozinheiro amador, rigoroso, que hoje conta histórias da cozinha litorânea de Gênova e arredores, adapta receitas à vida na capital paulistana e até ganhou um apelido carinhoso dos amigos – “a Nona”, visto que ele é daqueles que não vai à padaria, mas faz o pão e os petit fours para o cafezinho, e tem sempre um prato para afagar a alma de alguém.

“A cena (jantar em italiano) é uma forma de conectar as pessoas em um ambiente íntimo o suficiente façam novos amigos”

No fogão do Roberto, o recordista em aparições é o nhoque ao pesto. Para a massa, a batata cozida não ganha quase nada de farinha, mas pode ter de passar uns minutos ao forno para secar. O molho, grande símbolo genovês, acaba por força do hábito sendo preparado com pinoli e pecorino. “Para falar a verdade, com o manjericão que há no Brasil, o pinoli desaparece. Lá, as folhas são mais delicadas, desmancham. Aqui, a castanha de caju crua é um ótimo substituto e dá para usar mais alho”, pondera ele. Outra figura repetida, o tiramisu, leva biscoitos champanhe caseiros e “um toque de sementes baunilha e de limão”.


Dicas como essa são entreouvidas meio ao farfalhar de talheres e pratos que dão à uma noite comum de quinta-feira a aura de um banquete familiar de domingo. “A cena (jantar em italiano) é uma forma de conectar as pessoas por meio da comida, em um ambiente íntimo o suficiente para que se façam amigos, descubram-se novos sabores”, define Roberto. Uma cena assim é uma pausa na semana, nas refeições cotidianas feitas às pressas.


O chef carinhosamente ganhou o apelido de “a Nonna”, visto que é daqueles que não vai à padaria, mas faz o pão e até os petit fours para o cafezinho

Pressa, aliás, é o oposto de tudo o que o conceito de supper club propõe. As compras e pré-preparos precisam de pelo menos dois dias. Há uma ronda na feira, na horta, no setor de orgânicos do supermercado, no Mercadão. Os vegetais e os ovos precisam ser orgânicos e o mais fresco possível; o peixe deveria ser comprado vivo, mas como isso não existe, depende da jura do peixeiro sobre o que há de melhor na banca; os queijos e o chocolate são sempre de produtores escolhidos a dedo. Há caldos, molhos e montagens que precisam apurar na geladeira; há pães para limparem os molhos que precisam ser fermentados e há biscoitinhos diversos a serem assados para o evento.


Roberto Rebaudengo faz maravilhas que apendreu em casa, na Ligúria, na Itália. Antes de servir cada prato, fala sobre eles, dá dicas de culinária, ouve outras

Mais: há flores a serem arranjadas pela mesa, guardanapos a serem cuidadosamente dobrados, vinhos a serem escolhidos e gelados, trilha sonora a ser montada e até telefonemas a serem atendidos sobre dúvidas do menu e eventuais restrições alimentares. Tudo é tempo tempo tempo tempo.

O cappon magro com salsa verde e frutos do mar é um prato de Natal na Ligúria. Ele é uma forma de servir verduras com sabor de verão no inverno europeu

Então, no fim das contas, entre oito e meia e onze e meia, às vezes meia noite, às vezes uma da manhã, tudo flui. Os convidados se achegam, primeiro se restringem ao par ou aos conhecidos e, de repente, grupos se formam, desformam, desembocam em ininterruptas conversas. Paralelas ou não, monotemáticas: ali, naturalmente, só se fala de comida – a descoberta de um restaurante, uma receita, a memória sobre um prato. Na casa do Roberto, os convivas se sentem membros de um clube autêntico e apenas confirmam que a vida em torno da mesa é uma festa.

No fim das contas, a casa do italiano deu tanto o que falar, que ele foi parar à frente do restaurante Lido, em Pinheiros, São Paulo. Lá, a ideia é tomar bom vinhos e pedir pratos para compartilhar. Depois, a boa comida do Roberto se encarrega do resto.

O cardápio da noite

»Manjubinha à milanesa – “Na Itália usamos anchovinha, que é mais saboroso. É um prato afetivo, divertido, lembra quando a gente é criança e pega ela pelo rabinho. Para dar um gostinho a mais na milanesa, a farinha de rosca deve ser temperada com ervas, especiarias ou o que você gostar. Um tira-gosto simples, mas encantador”

» Pansoti alla salsa di noci – “Essa massa fresca é marcada pelo sabor do preboggion, uma mistura de ervas espontâneas da Ligúria, tais como urtiga, borragem, dente de leão, papoula e talaegua (uma plantinha da família da margarida).”

» Cappon Magro com salsa verde e frutos do mar – “É um prato de Natal, uma forma de comer verduras e ter um sabor de verão em pleno inverno europeu”

» Tiramisù desestruturado – “Para que ele fique suave, equilibrado e também complexo, dá trabalho. Mas é um ótimo investimento de tempo”