QUANDO NOSSO CHEF FRANCÊS mais famoso quebrou as paredes da cozinha no Chez Claude, formando uma arena gastronômica para quem curte comer observando o preparo dos pedidos, ela surgiu aos aplausos do respeitável público, dirigindo com talento a coreografia da equipe ao redor dos fogões. Lenço prendendo os cabelos louros e piercing no nariz, o jeito de menina do Rio não engana: quem veste o dólmã é uma cozinheira, surfista e budista que não teme grandes ondas e tarefas. E o ‘darma’, no caso, vem da primeira infância, no contato precoce com as receitas que levaria para a vida. Estava escrito em alguma estrela que Jéssica Trindade, 32 anos, seria a primeira mulher a trabalhar numa cozinha de Claude Troisgros, e chegaria ao comando do restaurante que leva o nome do patrão, o Chez Claude.
“Minhas memórias começam com o chef Claude. Tinha cinco anos e pedia para minha mãe descrever os pratos e menus”, conta Jéssica. Como assim? “Ela contratava eventos para um banco francês e era ele quem cozinhava. Eu ficava acordada esperando ela voltar com as histórias.”
Para quem decidiu na adolescência que seria cozinheira, apesar dos narizes torcidos da família, era de se esperar a estreia luxuosa, aos 19 anos, como estagiária no antigo 66 Bistrô. Foi o início de uma trajetória de 11 anos que inclui período na Maison Troisgros, templo da família em Roanne, na França, e uma história digna de filme de humor e aventura ao lado do ícone Paul Bocuse.
“Um dia o Michel me chamou e disse que teria que fazer sozinha algo para o almoço dos funcionários do hotel”, conta, referindo-se a Michel Troisgros, irmão de Claude e chef no três estrelas Michelin. O resultado foi um raríssimo registro de feijoada criada às margens do Loire: “Fiz a farofa com pão de forma, defumei linguiça, improvisei a carne seca, e em vez da couve usei o chou, espécie de repolho. Ficou muito parecida com nossa feijoada e todos adoraram.”
Não tem tempo ruim com a moça, a gente percebe no início da conversa no Chez Claude, um restaurante que homenageia e personifica em novas abordagens um repertório clássico e afetivo de Claude Troisgros. Jessica ouve as ideias do chef e as leva para o fogão, com toques pessoais e receitas próprias de aparição mais comum entre os pratos do dia, que não demoram a acabar.
Como a paleta de cordeiro confitada na manteiga com quiabo e cuscuz marroquino. Ou um joelho de porco defumado e desossado, cozido em caldo e confitado, servido na panelinha de ferro fumegante com polenta e agrião. E sabe o que ela diz que mais gosta de cozinhar e comer? “Foie gras, rã, escargot, essas coisas”. A pegada francesa encanta, e Claude jé disse uma vez que o boeuf bourguignon da Jessica é melhor que o dele.
Recentemente, os dois apresentaram no Chez Claude uma receita que veio após a viagem iluminada de Jessica e um grupo de chefs, para conhecer a pesca de manejo do pirarucu no Amazonas, com os indíos Paumari. Serviram o peixe com abacaxi, crosta de castanha do Pará e beurre blanc de tucupi.
O contato com a natureza através das águas é intenso, e contraponto necessário à energia e concentração na cozinha. O surfe é frequente nas ondas encorpadas do Recreio dos Bandeirantes, onde mora, na Zona Leste do Rio. “O surfe tem tudo a ver com uma cozinha que alimenta a alma e o corpo. Preciso dessa reposição de energias.
A história de Jessica na cozinha passa pelo curso da fundação Alain Ducasse, no Rio, e pelo trabalho no Hotel Transamérica, onde conheceu um ex-cozinheiro de Claude e fez contato com o ídolo francês. “Sou persistente, não desisto. Para mim, não tem ondão”, brinca.
Chez Claude – Rua Conde de Bernadotte, 26, Leblon, Rio de Janeiro – RJ. Tel.: (21) 3579-1185