viagem

Francis Mallmann na vinícola de outro mundo

O chef é estrela na Garzón, pertinho de Punta del Este, no Uruguai

Eu me lembro bem de umas das últimas vezes que encontrei o Francis Mallmann. Foi numa apresentação de vinhos e azeites da Garzón para jornalistas, num dos restaurantes no terraço do luxuoso Shopping Cidade Jardim, em São Paulo. No meio de um dos bem cuidados canteiros do lugar, uma cena chamava a atenção: sobre a brasa que queimava no chão, havia uma enorme chapa de ferro, na qual Francis (sim, ele mesmo!) fazia os assados que seriam servidos no almoço.

Sem qualquer pompa, circunstância ou plateia em torno dele, o chef cultuado mundialmente por ser o grande mestre da cozinha de fogo agachava, mexia na comida, acertava a brasa... Enfim, trabalhava rigorosamente ao seu estilo: tão low profile que, costumo brincar, chega a ser no profile.



Francis é um doce de pessoa. Sujeito de fala mansa, culto ao extremo. Gosta de tocar violão, se isolar na sua Patagônia argentina ou nos cafundós do Andes, de onde, certa vez, fez questão de conversar comigo, numa ligação telefônica com qualidade sofrível (também pudera!), à propósito do lançamento do seu Sete Fogos, obrigatório em qualquer biblioteca gastronômica.

Quando eu o encontrei, quieto e sozinho, tomando uma taça de vinho branco, lembrei da situação. Rimos juntos. E engatamos um papo amigável, longe de ser uma entrevista, sobre a vida, recantos patagônicos e, claro, o seu, na época, novo momento como embaixador culinário da Garzón.

Foi bonito ver a empolgação dele ao falar do projeto criado pelo detalhista Alejandro Bulgheroni. Que, pouco depois, aliás, receberia o título de “Melhor Vinícola do Novo Mundo”, pela revista Wine Enthusiast.

O lugar, de fato, é fantástico. Ao norte do Uruguai, perto de Punta del Este e de José Ignácio, um dos povoados praianos mais charmosos do mundo, a Garzón ocupa uma área a 160 metros do nível do mar, a apenas 18 quilômetros dele.

Isso significa que as videiras no terreno belamente sinuoso recebem o constante sopro da brisa fresca, o que torna o terroir dali irrepetível.

Fácil falar com empolgação disso, não? Tem mais: mergulhada num clima temperado, as plantações orgânicas estão sobre um tipo de geologia que deu origem ao fantástico solo de rocha meteorizada, formado milhões de anos atrás, no nascimento do planeta.

O Balastro tem, enfim, uma característica muito especial: permite uma excelente drenagem, quando os múltiplos minerais dali espalham-se pelo terreno. As videiras, claro, adoram. E são impactados também por microclimas e uma biodiversidade louvável.

No bate-papo com o Francis, era disso que ele mais falava, com tanta animação. Menos da comida que se faz ali e do cenário arquitetônico que são o máximo.


A Garzón conta com uma área construída de quase 20 mil m2, inteiramente sustentável, numa aplicação inédita mundialmente. Como está no alto de uma colina, a posição permite um desenho de construção escalonado que, por sua vez, possibilita utilizar o sistema de gravidade para produzir os vinhos. É um show, só estando lá para ver. E para comer e beber, claro. Além de viver inúmeras experiências criadas pela envolver ainda mais os visitantes. Uma delas, recémcriada, nos leva aos recantos da adega e dos vinhedos, degustando os vinhos ícones da vinícola. Tem ainda piquenique entre as videiras, chá da tarde no salão Vip (com uma fascinante variedade de infusões) e... aula de culinária com a equipe de Mallmann.

Funciona assim: primeiro são revelados alguns segredos da cozinha de fogo, depois há visita a adega (onde se fala um pouco da característica de cada rótulo e sugestões de como harmonizá-los com comida) e, enfim, chegamos a mesa, para um almoço de 4 cursos.

Ele acontece na sala principal do restaurante, cercado por janelas enormes, de onde vemos as marolas num oceano de videiras. Aqui, a cozinha de fogo (com cantinhos especiais, onde vemos elas acontecer) é servida com uma elegância irreparável, a partir do conceito de cardápio de mercado, apenas com os melhores ingredientes do dia ou da temporada.

Não falei dos vinhos? Bem, seja quando tomamos um Viognier de Corte (que este escriba adora) ou o Balasto (ícone da Garzón, com uma irreparável assemblage com Tannat, Cabernet Franc, Petit Verdot, Merlot e Marselan), percebemos tudo – mesmo! – que foi dito aqui na boca. Falo do cuidado aos detalhes, da elegância, da sutileza das notas disso ou daqui, que vão e vem, como a brisa do mar. O portifólio é robusto e não faz o menor sentido eleger um rótulo ou outro.

De volta ao encontro com o Francis, eu cheguei até a sugerir que ele me indicasse um dos seus vinhos favoritos. Ele, no entanto, bem ao seu sábio estilo, foi perfeito: disse que tudo é uma questão de momento. O dele, ali, era com o Pinot Noir Rose de Corte (era um dia quente), com cerejas, morangos e um final mineral que parece nos transportar para uma tarde morna neste lugar maravilhoso.