A CANADENSE LAUREN MOTE não é uma pessoa que passe despercebida pelos lugares. É uma mulher muito bonita, alta e consideravelmente carismática. Há cerca de 30 anos no mundo da coquetelaria, não à toa é a mixologista global da Diageo, uma das maiores empresas no mundo dos destilados, com marcas como Johnnie Walker, Tanqueray, Zacapa e Ciroc.
Numa boa entrevista olho no olho, o seu papel é causar (e ela causa!), inspirar bartenders e consumidores (em apresentações abertas ao público) e mostrar, de forma sutil, porém bem efetiva o conceito que ela e a companhia pensaram para a coquetelaria mundial para os próximos anos.
De frente com ela, a primeira pergunta vem sem lero-lero: qual é o hit dos bares? Ela também responde diretamente, porém num discurso longo (é o primeiro sinal de que ela fala pelos cotovelos). Resumo: não há algo específico que possa ser apontado, mas um conceito em geral, a sustentabilidade.
Lauren pega nas minhas mãos e junta os meus dedos ligeiramente flexionados, meio que criando uma esfera. “Imagine um limão. Olhe para ele. A forma, a cor, a textura. Aperte. Sinta o que há no interior. Depois de abri-lo, faça a mesma coisa. Esse é o começo do trabalho para entendê-lo e usá-lo até o fim. Nada pode ir para o lixo, ao final. ” Depois sugere que o ciclo sustentável se completa, se o produto vier de comunidades que precisam de ajuda para se desenvolverem. E cita uma colônia de apicultores na África. Então olha para a cozinha aberta do restaurante onde estamos e sinaliza: “Veja, os chefs abriram as cozinhas para ficarem mais próximas das pessoas. No fundo, eles querem um contato direto que só o balcão do bar pode proporcionar. ” Hora, diz, de levar o chef para o balcão e o bartender para a cozinha.
Um dos pontos, ela insiste, é que não é possível comparar a experiência atrás do balcão com mais nada. Lauren quer conversar, olhar no olho (assim como fizemos nesta entrevista), captar exatamente o que quer beber quem está do outro lado. Cita que pode servir, por exemplo, o Old Fashioned (o primeiro coquetel da história) perfeito. “Sim, a pessoa vai gostar e acenará positivamente com a cabeça. ” Se o bartender, no entanto, perceber o algo mais que aquele freguês quer beber, vai transformá-lo num drinque ou até em um ingrediente que pode ser adicionado à receita de um Old Fashioned. “Olha, eu garanto, esse cara (guy, ele ou ela, em inglês) nunca mais esquecerá da experiência. ”
A história de Lauren Mote com esse tipo de relacionamento começa quando ela tinha 11 anos e, filha de mãe solteira, cozinhava para os irmãos mais novos. Por isso, diz, entende que a ideia de fazer e servir está muito ligada ao prazer do outro, ao ritual de estar junto e compartilhar emoções à mesa – ou ao balcão. O bar surgiu muito cedo, junto com um grande interesse pelos assuntos mais variados. Desde ciências políticas (assunto que adora e estuda) até cultura e comportamento. Então pergunto: “Em um papo informal, que drinque você tomaria? ”
A resposta vem alinhada com a proposta do momento da companhia onde trabalha, por sua vez, conectada, sim, com um movimento mundial de coquetelaria: simplificar o uso de grandes destilados. Isto é, juntando água com gás (o club soda) à eles. Como o bom e velho Highball, a bebida mais tomada no Japão, ainda pouco conhecido por aqui (Sabor.club publicou uma reportagem sobre ele há alguns meses). Num copo longo, vão dois ou três dedos de uísque, gelo e club soda para completar.
“Eu já bebi e fiz muitos coquetéis. Estou conectada à alma dos destilados. Tudo que eu quero beber, hoje, são essas bebidas puras, com um pouco de água. ” Por que água? “Porque ela abre todos os aromas e sabores tão interessantes e sofisticados dos destilados de alto padrão. ” Claro que a proporção varia de destilado para destilado. E, em alguns casos, como numa dose de Zacapa, por exemplo, o rum puro, resfriado, já é suficiente para mergulhar em uma galáxia de aromas.
Falando, aliás, em destilado feito a partir do sumo da cana de açúcar, e a nossa cachaça, Lauren, o que você conhece dela? “Olha, sabe que eu conheço bem as cachaças...” Fala muito sobre elas e, veja só, prefere as branquinhas envelhecidas em garrafa, como muitos cachaceiros de verdade. Por que as douradinhas, que dormem em madeira, fazem tanto sucesso? “Porque têm notas ligeiramente adocicadas que, sim, deixam qualquer coisa mais confortável. ” Embora a ideia de conforto seja algo bem pessoal.