Ao sentar à mesa, num ambiente que remete ao século 18, imagino que, na cozinha, os pratos eram lavados por um certo rapaz, recém-chegado em Madri, que precisava fazer dinheiro, enquanto tomava aulas de pintura. Falo de Francisco Goya, um dos grandes expoentes da arte espanhola, que, diz o Guiness Book, foi lavador de pratos da Casa Botín, o primeiro restaurante do mundo, segundo a mesma publicação.
O Sobrino de Botín, em Madri, foi inaugurado pelo francês Jean Botín, em 1725. É um ícone da gastronomia mundial, frquentado por locais e turistas
Estou ali pela fama do lugar e, como os madrilenhos que frequentam a casa há 296 anos, pelo el cochinillo asado, o leitãozinho de leite que deu origem ao restaurante, criado pelo francês Jean Botín. Ele saíra da sua terra natal para trabalhar como cozinheiro na casa de espanhóis ricos. Com a mudança da capital espanhola de Toledo para Madri, ele viu a possibilidade de abrir uma pequena pousada com restaurante, em plena Plaza Mayor que, àquela altura, já era o centro financeiro e social da cidade.
O Sobrino de Botin fica num prédio tombado, com quatro salões distintos, cada um com um atmosfera diferente
O restaurante, no entanto, tinha uma curiosidade: ela aberto apenas para os hóspedes, que deveriam levar os ingredientes que queriam, para Botín cozinhar. Como a matéria prima (e os clientes!) chegavam em cima da hora, os pratos tinham de ser feitos ao mesmo tempo. E, para isso, a cozinha precisa ter um forno enorme, de alta temperatura, para acelerar e dar vazão ao serviço. Ali nasce a peça chave da casa, usada até hoje, da mesma forma como sempre foi. O grande segredo do lendário leitão local é o processo como vai para o calor intenso, alimentado pela queima de toras de azinheira, a mesma árvore que dá as bolotas, o fruto que os porcos ibéricos adoram comer. E que confere a eles um tipo de gordura única, apreciada como iguaria, no mundo todo.
O grande segredo do lendário leitão local é o processo como vai para o calor intenso, alimentado pela queima de toras de azinheira, árvore que alimenta os porcos ibéricos. Depois, ele vai sempre inteiro para a mesa
Depois da árdua tarefa de escolher o vinho, na robusta carta com 270 rótulos (!), eis que o el cochinillo asado, leitãozinho com pele crocante, chega à mesa. Exceto pelo tamanho, ele, ao olhar, lembra o português da Bairrada, igualmente famoso pelo manto vitrificado. Na boca, no entanto, eles são bem diferentes, embora sejam animais alimentados apenas com leite materno e abatidos com menos de 20 dias. O prato do Botín tem o sabor mais suave e a sua inigualável suculência traz, principalmente, o gosto do animal, sem temperos marcantes. Para acompanhar, batatas assadas no mesmo tabuleiro onde deita o animal. Elas também ficam crocantes por fora e macias por dentro. Recebem apenas sal porque a gordura do leitão se encarrega de conferir a elas o gosto que cozinheiro nenhum conseguirá atingir.
O título de “mais antigo do mundo” é dado ao Sobrino de Botín porque ele funciona ininterruptamente, desde a sua criação
Enfim, isso é tudo o que o restaurante revela sobre o seu prato lendário, feito se assinatura de chef, mas com a sabedoria da repetição, a essência da cozinha de alma. É essa, aliás, uma boa definição para a comida servida aqui, que inclui ainda outras pedidas famosas como os mariscos marinados ou a merluza à madrilenha. Sem falar da indefectível sopa de alho com ovo, perfeita como entrada, em dias frios. Perfumadíssima, ela vem repleta de nacos de pão e tiras de jamon. Não à toa, a casa com preços médios coleciona cientes famosos e está sempre lotada, apesar dos seus quase 200 lugares, distribuídos em quatro salões pelo edifício tombado pelo patrimônio histórico. Em tempo, o título de “mais antigo do mundo” é dado ao Sobrino de Botín porque ele funciona ininterruptamente, desde a sua criação, em 1725. Recentemente, ele deu uma parada por causa da pandemia de coronavírus, mas já está funcionando normalmente.
Sobrino de Botin – C. de Cuchilleros, 17, Madri.
Tel.: +34 913 66 42 17