A biografia da Renata de Vanzetto, rapidinho, no ritmo dela: aos 13 anos, a menina que morava em Ilhabela, litoral paulista, entrou na cozinha do restaurante da mãe, como assistente da chef que tocava a operação. Durou pouco mas aprendeu muito. A ponto de começar, sozinha, a fazer eventos.
Com 15 andava e cozinhava a mil até ir para Europa, estagiar em restaurantes, aos 17. Com 18 abriu o Marakuthai, em São Paulo, e foi abocanhando prêmios de chef-revelação. Hoje, mãe de três, ela é um fenômeno na gastronomia brasileira, à frente inúmeras operações de sucesso, sempre com negócios na ponta da agulha.
Lagostim com consomê de tomate verde, creme azedo e ovas de capelim, de Renata Vanzetto
No Instagram, ela lembra de 2018: “Aquele ano padrão Renata... abri um restaurante grávida de 8 meses, mudei de casa duas vezes com duas obras, pari, peguei meningite, frequentei a UTI por uns bons dias, comecei mais duas obras novas e encerramos o ano na capa da revista Forbes (como uma das mais brilhantes empreendedoras, criadoras e game-changers abaixo dos 30 anos, que revolucionam os negócios e transformam o mundo). U-o-u!”
De onde vem tanto apetite para, em 12 anos, administrar um faturamento anual que supera os R$ 30 milhões? De uma desenfreada vontade de comer que a acompanha desde criança, quando era chamada de Magali (a personagem comilona de A Turma da Mônica), pela mãe da sua amiga Barbara, de Ilhabela. “Me lembro do jantar no qual surgiu o apelido. Eu comia, comia, comia... Depois, sempre que eu ia para casa dela, tinha que ter mais comida. Aí, eu me aboletava na cozinha porque queria saber o que estava comendo. Esse comportamento surgiu desde que eu era muito nova”, conta. “A curiosidade e a vontade de comer algo gostoso sempre foram as minhas maiores motivações na cozinha. Não tenho a menor dúvida disso”, completa.
O mil folhas com creme de milho e mirtilos e o balcão do Ema, onde Renata brilha em menu degustação
Está aqui a razão do seu estrondoso sucesso. De forma muito natural, por meio das inúmeras referências que pululam na sua mente – e no seu paladar! – a jovem cozinheira chega em composições muito amigáveis, repletas de sabores (e texturas também!) que todo mundo adora. Em outras palavras, se ela gosta, você vai gostar também.
Da última vez que nos encontramos, a Renata me disse que era “a louca dos sanduíches”. Estava numa fase na qual era só o que queria comer e andava fazendo testes deliciosos. Meses depois, nascia a Matilda, lanchonete tão badalada no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Então, entrou numa onda de comer os pratos que tanto gostava quando criança. Ao mesmo tempo, sobrou um espaço na parte da frente da casa onde fica a cozinha de produção da Matilda e... por que não abrir um restaurante?
Fideuá de camarão com emulsão de tinta de lula: a mão boa da Renata Vanzetto
Pronto, o Muquifo nasce da vontade de ter um lugar com as coisas que a avó Cida fazia. Que a tia Rejane fazia. Com algumas adaptações. O spaguetti all’ amatriciana virou, nas palavras da Renata, uma espaguetão com guanciale, tomate e queijo ralado. Quando frio, depois de pronto, é cortado, empanado e frito. “É uma gororobona boa, daquelas gostosas de comer.”
O bife a milanesa com creme de milho “que tinha toda semana lá em casa” virou um sandubinha, para ser devorado em bocadas, numa entradinha. Tão boa quanto o vôngole na concha, para comer como lambe-lambe, feito na gordura da pele de frango, ao modo da D.Cida. “Sei que há quem vá estranhar... Mas na Ilha, a gente chupava as conchinhas. A ideia é essa e é uma delícia.”
Renatinha Vanzetto começou na cozinha aos 13 anos, como assistente de chef
Quando a Renata fala de comida, a gente vê nos olhos dela o gosto que ela tem pela coisa. No trabalho de resgate que envolveu a família toda, especialmente a irmã Luiza, a cozinheira conta que elas não compartilham da mesma memória, embora tenham comido rigorosamente as mesmas coisas. “Há muito do que eu absorvi e ela não. Eu sempre me importei muito com o que eu como. No final, não precisei ir para Ilha, falar com a minha vó, procurar a receita... Bastou fechar os olhos e ir para a cozinha.”
A chef com os três filhos, Suri, Ziggy e Max, ao lado do marido Cassiano
De lá, saem, como diz, preparos que a Renata sempre quis colocar os cardápios, mas não faziam sentido. Como a batata “feita com creme de leite e caldo Knorr... bizaaaaarro!” Oi? “Eu comi esse prato a minha vida inteira, mas não podia colocar no Ema, né? No Muquifo eu posso e vou fazer igualzinho (diz baixinho).” Assim: a manteiga vai para a panela, o tablete do que viraria caldo é derretido lá e, com o fogo baixo, entra o creme de leite. Depois de misturado é jogado sobre batatas cozidas. “Contra qualquer tendência gastronômica”, brinca. A receita é servida com um bifão ou com o que a mãe chama de picadinho – na verdade, carne moída refogadinha com molho de tomate. Às vezes, com ovo frito em cima. “O que gerou um super-espaguete com os zóião estrelados sobre ele.”
Em alguns anos de carreira, acompanhando a Renata desde que ela abriu o Marakuthai, poucas vezes a vi tão empolgada com um projeto. Ela diz que ele tem muito a ver também com o momento de vida mais simples, com tantos filhos para cuidar. “Eu não tinha essa coisa de querer ir para casa. A minha casa era o restaurante e nele ficava.. Nos meus relacionamentos, sempre ficou muito claro: durante cinco dias por semana, me esquece porque eu fico no restaurante.”
Agora é diferente: passa no Me Gusta, passa no Matilda, passa no Marakuthai, passa na Casa Marakuthai (o bufê), passa no Ema... No contador, na reunião com os operadores de shopping que querem um dos seus negócios com eles. E passa em casa porque as crianças estão chamando. Hoje o dia tem hora para terminar...
Só que não.
À noite, Renata vai para a cozinha do seu apartamento e faz comida para ela e, indiretamente, para nós. Agora numa fase vegana, ando “pirando na cozinha”. “Outro dia fiz um quibe de batata doce que ficou o máximo!” Ih, lá vem ela...